Os dispositivos digitais agora têm “órgãos sensitivos” para ajudá-los a interagir com o mundo físico. Por um lado, isso é extremamente conveniente para os usuários. Por outro, cria novas ameaças, e muitas vezes são bastante inesperadas. Embora os sensores eletrônicos sejam funcionalmente semelhantes aos seus análogos humanos, ainda são muito diferentes em termos de design e recursos – e os designers nem sempre levam essas diferenças em conta.
Considere, por exemplo, comandos de ultrassom que são inaudíveis para os seres humanos, mas que os assistentes de voz ouvem e obedecem. Bom, invadir um assistente que responde aos comandos de voz com a ajuda do som , mesmo que seja inaudível para nossos ouvidos, é pelo menos razoavelmente previsível. Mas e se usarmos luz ?
Ouvindo a luz: microfones MEMS e suas falhas
Se um comando de voz for transformado em uma piscada de raio laser e este estiver apontado para o microfone de um assistente de voz, o assistente detectará e atenderá à solicitação. Pesquisadores da Universidade de Comunicações Eletrônicas (Chofu, Japão) e da Universidade de Michigan fizeram essa descoberta. Eles inseriram comandos em aparelhos a uma distância de várias dezenas de metros. A única condição necessária é a visibilidade direta entre a fonte do feixe de laser e o microfone.
Os pesquisadores testaram o ataque com laser em alto-falantes inteligentes, smartphones, tablets e outros dispositivos rodando o Amazon Alexa, a Apple Siri ou o Google Assistente. O truque funcionou para todos eles, mas a distância em que o microfone detectaria o sinal variava de 5 a 110 metros. Na teoria, o alcance pode ser aumentado ainda mais com um laser potente e uma lente adequada.
O vídeo abaixo (uma ilustração do que pode ser feito utilizando este método) mostra como os pesquisadores conseguiram abrir um portão de garagem do prédio vizinho utilizando essa vulnerabilidade em um alto-falante com Google Home.
Por quê os microfones MEMS respondem à luz?
O ataque a laser é possível devido ao design de microfones em aparelhos. A maioria dos microfones modernos apresentados nos dispositivos eletrônicos inteligentes é o que chamamos de sistemas microeletromecânicos (MEMS, na sigla em inglês), dispositivos em miniatura nos quais os componentes eletrônicos e mecânicos são mesclados em um design complexo.
Os sensores baseados em MEMS são produzidos em massa usando as mesmas tecnologias dos chips de computador, a maioria inclusive é do mesmo material – silício – e com o mesmo grau de miniaturização (suas partes individuais são medidas em micrômetros ou mesmo nanômetros). Os sensores MEMS também são muito baratos, então eles já superaram a maioria dos outros sensores e dispositivos em miniatura que operam na junção dos mundos eletrônico e físico.
O principal elemento sensor de um microfone MEMS é uma membrana superfina, com cerca de um centésimo da espessura de um cabelo humano. As ondas sonoras fazem a membrana vibrar, então o espaço entre ela e a parte fixa do sensor se expande e diminui alternadamente. A membrana e a base fixa do sensor formam juntas um condensador, de modo que a variação da distância entre elas se traduz em variação da capacitância. Essas variações são fáceis de medir e gravar, para depois serem transformadas em áudio.
Um feixe de luz também pode criar ondas que fazem vibrar a membrana sensível. O chamado efeito fotoacústico é conhecido desde o final do século XIX. Foi quando o cientista escocês Alexander Graham Bell, mais conhecido por patentear o telefone, inventou o photofone – um dispositivo que usava um feixe de luz para trocar mensagens de áudio a uma distância de várias centenas de metros.
O efeito fotoacústico ocorre principalmente porque a luz aquece os objetos expostos a ela. Quando aquecidos, os objetos se expandem e, quando esfriam, recuperam o tamanho original. Então, expostos à cintilação de um raio laser, eles mudam de dimensão. Você nunca notará isso, mas os sensores MEMS são minúsculos, para que possam perceber até uma ação microscópica. Eles, portanto, sentem vibrações e as transformam em uma gravação de som, que é então reconhecível como um comando de voz.
A música do movimento: sensibilidade de áudio de um acelerômetro MEMS
Muitos outros sensores além dos microfones – sensores de movimento como giroscópios e acelerômetros, por exemplo – também usam a tecnologia MEMS. Você pode encontrar esses sensores em marcapassos cardíacos, air bags para automóveis e vários outros itens. Eles também controlam a orientação da tela em smartphones e tablets, e estão sujeitos a alguns truques sofisticados.
Alguns anos atrás, pesquisadores das universidades de Michigan e da Carolina do Sul testaram um experimento no qual controlaram acelerômetros com sons, equipamento que responde aos movimentos.
Por quê acelerômetros reagem ao som?
Os sensores do acelerômetro detectam movimentos calculando o deslocamento da carga microscópica. As ondas sonoras podem fazer a carga vibrar, fazendo com que o acelerômetro pense que está se movendo.
Os pesquisadores testaram cerca de 20 modelos populares de acelerômetros e descobriram que três quartos deles eram suscetíveis à entrada de som.
Como parte de seu estudo, eles usaram um rastreador fitness Fitbit que contava passos falsos e usavam um smartphone deitado em uma mesa para manobrar um carro controlado por rádio. (O carro normalmente responde à posição do dispositivo, mas, nesse caso, a música que toca no dispositivo enganou o sensor do smartphone.)
Inalação de hélio: iPhones nocauteados
Nem todas as falhas de MEMS exigem condições laboratoriais para se manifestarem. Durante a instalação de um novo scanner de ressonância magnética em uma clínica nos EUA, os funcionários descobriram que seus celulares não estavam funcionando. A investigação revelou que apenas os dispositivos Apple foram afetados pelo problema. O culpado foi o hélio liquefeito usado para resfriar alguns dos componentes da máquina. Um pouco de gás vazou e ficou espalhado pela clínica – e isso foi suficiente para derrubar os iPhones.
Por quê os iPhones pararam de funcionar após o contato com hélio?
Diferentemente dos outros sistemas da clínica, nos quais os MEMS são usados, mas não são essenciais para o desempenho, os Apple Watches e os iPhones 6 (e modelos superiores) usam MEMS para o relógio do sistema.
Dentro do MEMS existe um vácuo necessário para a operação normal. Para manter o vácuo intacto, os chips são selados com uma fina camada de silício. Mas as moléculas de hélio são pequenas o suficiente para penetrar nos componentes de silício e interferir na operação normal do ressonador microscópico dentro do chip, enlouquecendo a parte eletrônica e fazendo com que o iPhone seja desligado instantaneamente.
A Apple reconhece que seus aparelhos são sensíveis ao hélio; seus manuais do usuário incluem um aviso sobre isso: “Expor o iPhone a ambientes com altas concentrações de produtos químicos industriais, incluindo gases liquefeitos em evaporação, como o hélio, pode danificar ou prejudicar a funcionalidade do iPhone”. Porém, essas situações são tão raras que poucas pessoas jamais pensam nelas.
Depois de algum tempo longe da substância – alguns aparelhos precisaram de vários dias – a maioria dos dispositivos danificados voltou ao normal. O fabricante dos sensores MEMS usados nos iPhones diz que as novas gerações das unidades não são suscetíveis a esse tipo de mau funcionamento.
Cuide bem dos seus gadgets
As vulnerabilidades de MEMS descritas acima são a exceção e não a regra. Dito isto, recomendamos que você mantenha seus gadgets longe de hélio. Só por precaução.