Apesar da oportunidade que temos em dissociar nossa bagunça do mundo físico, na maioria das vezes permitimos que ela se espalhe por nossos computadores, recursos de rede e, até mesmo, serviços em nuvem. Recentemente, a empresa especializada em pesquisas de mercado online OnePoll fez um estudo comparativo que analisou a atitude das pessoas em manter a organização da geladeira e os recursos digitais no trabalho. Ou melhor, a pesquisa da OnePoll comparou os níveis de desordem.
Os motivos para escolherem uma geladeira não estão claros para mim, mas meu palpite é que o interior de uma geladeira é escondido, e mais fácil de manter longe dos olhares dos curiosos, assim como, a bagunça digital. Eu li o relatório com bastante interesse e aprendi, por exemplo, que mais de um terço dos entrevistados já tropeçou com dados confidenciais de seus colegas no trabalho. E outro terço ainda podia acessar dados de empregadores anteriores. Devido essas descobertas, eu me lembrei de três casos reais que vivi. São ilustrativos para entender os perigos da desordem digital, por isso, decidi compartilhá-los nesta publicação.
1. A estação de trabalho remota
Há alguns anos, trabalhei para uma pequena empresa de integração de sistemas na qual uma das minhas atribuições era escrever textos de lançamento e divulgação sobre os produtos de software. Para poupar minha estação de trabalho da carga desnecessária de ciclos repetidos de instalação e remoção de programas, solicitei uma máquina virtual (MV). Ela pode ser resetada facilmente para manter um sistema limpo e eficiente. Usá-la também parece ser uma medida de segurança razoável – se estiver bem configurada, é claro.
Meu pedido foi atendido – em parte. A empresa forneceu uma MV, mas apenas uma para ser compartilhada entre toda a equipe. E o pior, ainda estava conectada à rede corporativa. Ocasionalmente, tivemos que compartilhar printscreens. Para ser honesto, esse não era o problema real.
O problema é que sai da empresa há mais de cinco anos, mas a máquina virtual ainda está funcionando. Continua disponível no mesmo endereço e admite as mesmas credenciais de acesso. Com minha cabeça focada em cibersegurança – mais do que o departamento de TI da empresa, aparentemente – fiz meu login. Pude ver os arquivos em que as pessoas estavam trabalhando e, claro, imediatamente enviei uma recomendação, usando uma impressora compartilhada da empresa: Altere a senha da MV! E, se você também está nessa, isole a máquina virtual da rede corporativa!
2. O arquivo órfão
Por alguns anos, como autor freelancer, trabalhei com uma empresa que estava seriamente preocupada com sua segurança física. Para minha entrada ser permitida, tive de notificar um dos seus funcionários, que deixaria uma autorização com os meus dados de passaporte (passaportes são a principal forma de identificação na Rússia) na recepção.
Em algum momento, meu passaporte venceu e tive que substituí-lo. Enviei uma mensagem ao editor para atualizar os meus dados e ele respondeu: “Não tenho tempo, faça você mesmo”, e me encaminhou link para um documento do Google com uma lista completa de autores, datas de nascimento e números de passaportes. Tentei explicar para ele minhas preocupações sobre cibersegurança, mas ainda estava ocupado demais para ouvi-las.
O problema é que o arquivo ainda está lá. Ainda está disponível para qualquer pessoa que tenha o link. Ninguém pode excluir nenhuma informação, mas qualquer pessoa pode visualizar o histórico de edição e ver todas as alterações feitas. O dono da conta também não pode fazer nada a respeito, pois esqueceu suas credenciais de acesso e alterou seu endereço de e-mail há muito tempo.
3. O disco rígido antigo
Tenho um hobby de colecionar hardware de computadores antigos. Costumo comprá-los por pouco em feiras de rua. Recentemente, comprei uns restos de sistemas. O vendedor me disse que eram lixo, e seu vizinho havia lhe pedido para jogá-los fora, caso ninguém o quisesse.
Por meio de um teste funcional, iniciei o disco rígido apenas para ver o que ele tinha. Além das coisas pessoais do dono, havia uma pasta chamada “trabalho” contendo informações de “cotações de preço” e “contratos”, todos marcados como “confidenciais”. Os últimos com datas referentes a agosto de 2018.
Não sei se o proprietário anterior usou o antigo PC para trabalhar em casa ou apenas para armazenar os arquivos dele, mas certamente não se importava com as consequências de distribuir essas informações. Formatei tudo, claro.
É claro que eu não consegui vasculhar as geladeiras desses indivíduos e empresas, mas, a julgar pelo relatório mencionado, certamente encontraria horrores como comida mofada e impossível de identificar. Só de pensar nos dados confidenciais que povoam documentos e HDs abandonados, e ainda, nos antigos funcionários com privilégios de acesso aos recursos corporativos, sinto um arrepio. E, infelizmente, este relatório corrobora essas preocupações.